sexta-feira, 11 de março de 2022

Cream: Segundo a Classic Rock Magazine, o dia que um cover de Robert Johnson tornou-se a Epítome do Rock N'Roll


Em um dia de 1968, um cover de Robert Johnson tornou-se a epítome do Rock N'Roll. 

Em 10 de março de 1968 em Winterland, San Francisco, Califórnia, EUA, o Cream fez um cover de uma música de Robert Johnson.

Hoje essa versão é vista como um dos quatro minutos mais significativos das apresentações ao vivo já gravadas de toda a história do Rock N'Roll.

Este artigo foi escrito por David Sinclair da Classic Rock Magazine e traduzido com pequenas edições pelo Hard N'Roll News.

O link da matéria original, pode ser acessado Aqui.

''Eric Clapton, nos vocais...''

Assim termina a gravação ao vivo definitiva de 'Crossroads', encerrada com um breve reconhecimento de Jack Bruce, baixista e vocalista principal do Cream, sob uma onda crescente de aplausos.

Para a banda, pode ter sido apenas mais uma versão de uma música que estava em seu repertório ao vivo desde o primeiro show. Mas hoje essa versão ao vivo é reconhecida como uma das performances ao vivo mais magníficas da história do Rock N'Roll.

Uma surpreendente peça genial de um semi improviso de Clapton, Bruce e Ginger Baker, capturado para a posteridade, como um tesouro atemporal. 

Mais do que isso, foi um momento de significado simbólico, uma performance grandiosa de uma música que ligava os jovens revolução Rocker aos elementos mais profundos da tradição de contar histórias através do blues, sobre a qual foi edificada a música pop moderna.

Escrita e gravada como Cross Road Blues por Robert Johnson em 1937, a música brota da essência da tradição do blues do Delta do Mississippi – um lamento desesperado e assombrado, que adquiriu uma dimensão oculta depois que Johnson, morreu repentinamente de uma doença misteriosa no ano seguinte com 27 anos.

Refeita e reimaginada pelo Cream, Cross Road Blues/Crossroads, alcançou uma longevidade na imaginação popular que poucas músicas em qualquer gênero podem reivindicar.

Surpreendentemente, Clapton não gosta muito de sua versão mais célebre da música.

“Na verdade, tenho tolerância zero para a maioria do meu material antigo, especialmente Crossroads”, disse ele ao MusicRadar em 2004.

“A popularidade dessa música com o Cream sempre foi intrigante para mim. não acho muito boa...''

''Estou convencido de que estou no ritmo errado no meio da música, o que muitas vezes acontecia com o Cream.

"Me deixa louco que haja essa performance minha flutuando, se onde eu deveria estar no 'um', na realidade eu estou no 'dois'. Então eu nunca revisito minhas coisas antigas. mesmo esta.”

A avaliação de Clapton contrasta fortemente com a dos fãs dele e do Cream, tanto na época quanto agora, sem mencionar os muitos guitarristas e estudiosos da música que consideram Crossroads (a versão do álbum Wheels Of Fire do Cream) como o Santo Graal dos solos de guitarra do Rock N'Roll e estudaram o desempenho de Eric, com um zelo apropriadamente religioso.

É um momento onde três músicos virtuosos são capturados trabalhando em uma zona super rarefeita.

A estrutura da música é geralmente acordada. Eles tocaram várias vezes antes e sabiam o que esperar.

Mas todos são livres para improvisar suas partes dentro da estrutura dada. A linha de baixo de Bruce é um solo complementar em si; grosso, rápido e insanamente sincopado, enquanto carrega através da música, montado no impulso tumultuado do padrão de bateria proporcionalmente direto de Baker.

Clapton, por sua vez aplica-se a um solo de guitarra, espalhado por cinco versos, que é uma obra-prima instantânea de design e execução, não importa o que ele diga agora sobre isso. Seu uso pioneiro de guitarras Gibson através de uma pilha de Marshall, produz um som cheio e agudo que raramente foi superado.

Seu fraseado, tempo e escolha de notas são simplesmente sublimes, pois ele começa em um registro baixo e gradualmente sobe por dois versos, criando tensão e emoção.

Depois de outro verso de vocais (“Going down to Rosedale…”), ele volta para um segundo trecho de solos, pulando de onde parou e dobrando a intensidade em todos os departamentos, para mais três versos.

Nunca se repetindo ou se perdendo na intensidade que acontecia entre a guitarra, o baixo e a bateria.

Ele puxa uma sucessão gradualmente intensificada de licks de blues selvagens, crescentes e bends double-stop soavam super agressivos, mas focados.

Como se isso não bastasse, em 'Crossroads' também foi uma das poucas ocasiões em que ele estava com o Cream em que Clapton fez o vocal principal – daí o reconhecimento de Bruce no final da música.

Acostumado a ser aclamado como 'Deus' quando se trata de seu status como guitarrista, Clapton achou o vocal principal de uma música de Robert Johnson um desafio mais significativo neste momento de sua carreira do que simplesmente fazer outro solo da mesma.

'Johnson's Cross Road Blues' foi interpretada como a história autobiográfica de como ele supostamente vendeu sua alma ao diabo. A história deriva de uma velha fábula entre a comunidade de blues do Sul sobre um músico que levou seu violão até a encruzilhada à meia-noite para ser recebido por um estranho satânico que afinava o instrumento e, assim, conferia perícia e boa sorte ao intérprete – em retorno o demônio iria ter a posse de sua alma.

A história se encaixava com o que se sabia sobre o desenvolvimento aparentemente rápido de Johnson como guitarrista, e as letras de várias de suas músicas – 'Hellhound On My Trail', 'Me And The Devil Blues' e outras – referenciavam encontros arrepiantes com o ladrão de almas que reforçaram ainda mais a mitologia.

Johnson então deu o último passo na carreira ao morrer jovem, aparentemente envenenado por um rival  ciumento por motivação passional.

Além de estabelecê-lo como membro fundador do 'clube dos 27', sua terrível morte foi tomada como confirmação final de que o diabo realmente reivindicou o que lhe era devido.

Clapton era discípulo de Johnson há muitos anos, e para ele encarnar as palavras e o mundo de 'Crossroads', não era algo difícil.


Clapton disse certa vez:'' Quando eu era mais jovem… a ideia de que ele estava realmente cantando sobre ser perseguido por demônios era demais para mim. Por um tempo eu realmente não consegui lidar com isso”

“Então comecei a pensar nisso como uma metáfora para problemas. Eu acredito na presença do mal. Eu acho que é possível conceber algo tão ruim que pode levar a um outro mundo – um mundo onde há pouca esperança. E eu acho que é isso que ele estava indo atrás disso.''

''E quando ele cantou sobre a encruzilhada…a encruzilhada é sobre escolher qual caminho seguir. É sobre as decisões morais que você que tomar todos os dias.”

Clapton faz um bom argumento. Para toda a conversa subsequente de acordos com o diabo, a única referência a qualquer ser sobrenatural na própria letra é, na verdade a Deus: ''Pedi ao Senhor acima por misericórdia /Salve-me se quiser”.

A versão transcendente de 'Crossroads' do Cream foi gravada em 10 de março de 1968 no Winterland Ballroom, com capacidade para 5.400 pessoas, em San Francisco, e foi apresentada pela primeira vez ao mundo como a faixa de abertura do disco ao vivo do álbum duplo Wheels Of Fire, lançado em 09 de agosto, daquele ano no Reino Unido (14 de junho nos EUA).

Comparada com as outras faixas ao vivo desse álbum – longas, sinuosas e épicas versões como de 'Spoonful', 'Traintime' e 'Toad' – 'Crossroads' é uma declaração enxuta e concisa de quatro minutos, perfurada com suprema autoridade e uma surpreendente economia de esforço por três músicos, que definiram uma era do Rock.

Ironicamente, foi nessa época que Clapton sofreu uma epifania repentina, motivada por uma crítica negativa de um show do Cream na revista Rolling Stone por Jon Landau, que descreveu a banda como ''três virtuosos brincando dentro do mesma dimensão musical'' e Clapton como ''um mestre maior dos clichês de blues dentre todos os bluseiros nascidos, pós-Segunda Guerra Mundial''

“E era verdade!” Clapton disse mais tarde.

“A verdade de fato, apenas me jogou para baixo. Eu estava em um restaurante e desmaiei. Depois que acordei, imediatamente decidi que era o fim da banda.”

As longas improvisações livres, que o Cream havia sido pioneiro, logo seriam adotadas por uma legião de bandas como Mountain, Humble Pie, Canned Heat e muitas outras.

Mas, ter colocado a bola para rolar, o Cream agora estava caminhando para seu fim.

O trio fez seu show de despedida no Albert Hall, em Londres, em 26 de novembro de 1968, apenas três meses após o lançamento de 'Wheels Of Fire'.

Além de um breve tempo de diversão com o Blind Faith, Clapton passou os próximos 20 anos ou mais negando seu status de herói da guitarra e tomando muito cuidado para evitar o histerismo dos fanáticos.

Mas quaisquer que sejam seus sentimentos sobre a versão de 'Crossroads' no disco 'Wheels Of Fire' do Cream, ele nunca parou de tocar a música em seus próprios shows ao vivo, embora de uma maneira consideravelmente mais contida e vagarosa do que ele fazia com o Cream.

E o título da música tornou-se um motivo recorrente ao longo de sua carreira, emprestando seu prestígio de marca a uma retrospectiva dele em Box lançado em 1988; E ao centro de reabilitação de drogas que Clapton montou em Antígua em 1998 (o Crossroads Centre); e aos Crossroads Guitar Festivals com curadoria de Clapton em vários locais dos EUA entre 1999 e 2019.

Hoje, na junção da Highway 61 e Highway 49 em Clarksdale, Mississippi (“berço do blues”, segundo o Delta Blues Museum da cidade) há um modelo gigante de três guitarras erguidas sobre uma inscrição que diz simplesmente: 'The Crossroads''.

Se esta é ou não a localização exata da encruzilhada mencionada na música de Johnson é uma questão em aberto.

Mas, de qualquer forma, o poder da lenda e a versão onipotente da versão do Cream continuam vivos absolutamente.





    Jack Bruce, Ginger Baker e Eric Clapton no palco, durante a performance de despedida no 'Royal Albert Hall' em Londres       (Créditos: Susie Macdonald/Redferns)

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